Monday, January 28, 2013

Choque cultural

Bem, parece que o meu blog morreu na praia. Foram tantas ocasioes de escrever que eu deixei passar, nao somente por falta de tempo, mas principalmente por nao querer encarar a grande confusao interior que eu vivi nessa viagem.

Esses 22 anos longe do Brasil tiveram consequências imensas que na verdade eu tentei minimizar pelo fato de ter visitado o pais praticamente anualmente  depois que me mudei para a Europa ha 13 anos. Eu achei que nao teria grandes surpresas durante esses seis meses de volta à terrinha, mas que engano. O choque cultural foi duro, no inicio vivi uma pequena e curta lua de mel com a minha patria, mas em seguida vieram as dificuldades e eu nao soube lidar bem com elas. Ja nao sou uma jovem de 20 anos, flexivel e intrépida, e me acostumei a um certo nivel de vida que nao é nem um luxo, que faz parte da vida diaria nos paises desenvolvidos; falo de uma certa infra estrutura, um certo conforto na locomoçao, na habitaçao, na segurança, que o Brasil luta para servir aos seus habitantes. Eu nao consegui me ver de volta ao Brasil, como era minha intençao, porque esse pais me da' medo. Mesmo amando a minha terra natal como nenhuma outra, sinto que os comandantes dessa naçao nos deixaram abandonados, à disposiçao dos tubaroes gananciosos tanto nacionais como internacionais, e nao creio que esse abandono seja por ignorância, eu acho que a corrupçao é responsavel por tudo isso.

O que detestei (sem ordem de importância):
1. Telefonia. Quem é que vai finalmente e seriamente nos defender desses ladrões? Passei horas e horas tentando conseguir simplesmente meu direito, o que tinha pago e pago muito caro, para ter. Nunca gastei tanto com telefone celular como no Brasil. Pago uma miséria aqui em Luxemburgo e tenho tudo. Nunca liguei para minha operadora aqui.. quero dizer, liguei uma vez por causa do meu smartphone que estava perdendo o sinal 3G e me trocaram o aparelho. Isso em uma década de uso... passei 6 meses no Brasil, 5 se descontar o mês de férias aqui em Luxemburgo e perdi a conta do numero de vezes e de horas que passei entre telefone e lojas de duas operadoras, a pior foi a TIM. Bando de incompetentes, chocante, queria ver essa mesmo operadora fazendo o que faz na nossa terra la de onde la vem, da Italia. A comissao européia a riscaria do mapa! Porque o europeu é defendido, protegido, os governantes sao cobrados e vigiados e cumprem com suas obrigaçoes.  Em 5 meses de Brasil gastei em telefone o que gastaria aqui em 4 anos e alguns meses, mas com um serviço mediocre.

2. Transporte. O percurso que de carro levaria 30 minutos de onde eu morava até a Santa Casa de Misericordia de Sao Paulo, onde eu estava fazendo meu estagio, levava 1 hora em horarios tranquilos e 1 hora e meia em horario de ponta (com sorte) pelo transporte publico. Isso nao estimula ninguém a deixar o carro em casa. A companhia de ônibus que administra a linha que eu usava nunca respondeu ao mail que enviei reclamando do micro-ônibus hiper lotado que eu tinha que pegar todos os dias, e onde eu perguntava o porque de um micro-ônibus se eles estavam conscientes que muitos passageiros iam pendurados na porta e que alguns nem conseguiam entrar. Por que nao um ônibus normal. Nenhma resposta, nenhuma mudança. Absoluta falta de respeito. O metrô, nada a declarar, a linha nova que eu pegava era perfeita, linda, limpa, rapida, sem hiperlotaçao... até chegar às linhas mais antigas, impossivel de se subir nos trens. Tudo é concentrado sobre algumas estacoes tipo Ana Rosa, Paraiso e Sé. A Sé é um inferno. Falta de planejamento inicial nos levou a isso, todas as linhas se cruzam nas mesmas poucas estaçoes, e estas sao pequenas demais. A culpa foi dos que planejaram, porque SP nao era pequena quando o metrô surgiu e o mundo pululava de exemplos de como planejar o metrô, bastaria ter ido a Toquio ou Nova Iorque.  E o que dizer do transporte publico que nao pode funcionar quando acontecem as enchentes? Os trens e o metrô nos deixam na mao. Assim em 5 meses fiquei duas vezes ilhada nas estacoes de metrô de Tamanduatei e de trem de Sao Caetano. E nao fiquei mais vezes porque simplesmente nao ia mais trabalhar em dia de grandes chuvas.

3. Habitacao. Eu estava no melhor bairro de Sao Caetano, num prédio de classe média média, e o barulho podia ser considerado toleravel se comparado ao que as pessoas enfrentam em outros bairros. A culpa nao é so das pessoas, eu até que tinha vizinhos bem civilizados, com a excecao da pessoa que morava no andar de cima e que negava fazer barulho. A culpa é da isolacao acustica. Janelas de aluminio cheias de frestas, com vidro somente em uma metade. Nao so eu ouvia tudo como se estivesse dentro do apartamento, a isolacao térmica era inexistente. Se fizesse 8 graus fora do apartamento, dentro fazia 8 graus. Se fizesse 40, mesma coisa. Na época de Natal, os lixeiros passavam às 23 horas fazendo um barulho impressionante, pedindo a caixinha, e aquele barulho ressoava nos andares mais altos, era impossivel dormir. Além disso, perdi a conta de quantos acidentes aconteceram na esquina embaixo do prédio, porque ninguém respeitava o sinal de Pare. As discussoes, as brigas em conseguência das batidas, nos impediam de dormir.

4. Segurança. Graças a Deus nao fui nem assaltada nem agredida, mas conviver com esse medo é terrivel. Você nunca relaxa totalmente. Assistir o jornal na tv é ver um desfile de noticias terriveis, angustiantes. E nao é so a violência urbana, é a violência nas familias, contra a mulher, contra as crianças, os animais, o desrespeito total pela vida. Nossas vidas nao valem nada. O choque passa e todo mundo esquece. E a legislacao é tao cega, tao falha, que adolescentes que sao 3 vezes maiores que eu e mais vividos, mais espertos, mais malignos, saem impunes de crimes terriveis. Como é que uma pessoa pode viver uma vida normal num lugar assim? Eu nao sei. Dizem que uma grande proporçao de paulistanos sofre da sindrome de stress pos-traumatico, como sobreviventes de guerras. Nenhuma surpresa.

5. Custo de vida. Logico que se você tem que arcar com a saude, a educaçao, segurança e de um certo modo, com os custos infundados de certos serviços como televisao, internet e telefonia, você nao vai aproveitar tanto do fruto do seu trabalho. Impressionante o que os brasileiros têm que pagar e que aqui na Europa as pessoas so precisam pagar com seus impostos. Aqui a escola é excelente, se tem escola particular eu nem conheço, a saude é a mesma para todos, nao existem hospitais ou médicos particulares, todo mundo tem o mesmo acesso e o mesmo serviço (o luxo é pagar um quarto particular no hospital, e é tudo), nem vou entrar em detalhes dos serviços extras como médico em casa caso você nao possa ir ao hospital, e por uma taxa pré definida e totalmente acessivel, etc), aqui o seguro para carro, casa e o de responsabilidade civil como eles chamam, é obrigatorio, mas nada exorbitante. Como o indice de roubos e de gente sem seguro é minimo, todo mundo pode pagar o seguro. E a segurança, nem se fala. Claro que existem roubos, assassinatos, brigas, mas nada fora do controle. Ou seja, você gasta muito menos com essas coisas do que no Brasil.

6. Enfim, a falsa imagem do brasileiro simpatico. Que simpatico que nada! Nem mais nem menos que aqui fora. Tem gente otima no Brasil, como tem gente otima no mundo todo. Sim, nossa cultura é de valorizar o sorriso, a simpatia, a extroversao, e o que um povo valoriza varia muito. Mas dai a dizer que colocamos isso em pratica... nem sempre. Fui empurrada na escadaria do metrô porque estava do lado errado, do lado que descia, e eu subia. Empurrada por uma mulher, e mais de uma vez. As incivilidades do dia a dia eram tantas que eu precisaria de um livro pra contar tudo. As pessoas parecem viver numa selva onde sobreviver significa passar por cima do outro. Vi isso em Sao Paulo, no ABC, no Rio, e menos em cidades pequenas, mas mesmo nestas, as pessoas ja nao sao tao abertas como eram ha 20-30 anos. Nossa cultura mudou, talvez resultado de anos de abandono pelos nossos governantes, a violência muda e traumatiza um povo.

Mas muita coisa ainda vale a pena no Brasil. Assunto para um outro dia. Escrevo isso dois dias depois da tragédia de Santa Maria e no momento fica dificil pensar em boas coisas; mas saibam que quem ama quer ver o bem do objeto amado, e eu nao sou indiferente à sorte do Brasil. Quero ver esse pais progredir e melhorar, quero ver o brasileiro ser bem tratado, o brasileiro de bem ser respeitado, e que recuperemos nosso senso de moralidade, que ser o mais esperto e o mais sarado e o mais rapido a conseguir vantagens deixe de ser o ideal de muitos brasileiros. Porque esse tipo de pensamento esta' nos tornando ridiculos, egoistas, inumanos. Sei que somos ainda uma maioria de gente de bem, mas somos uma maioria silenciosa. Abafam a nossa voz como podem. O Brasil esta' rico, mas o brasileiro ainda nao viu a cor desse dinheiro ser usada para o bem comum.